Jovens da Geração Z querem maior flexibilidade nos estudos e trabalho
Publicado em 10 de junho de 2024 às 10:34
Eles lidam com quantidades enormes de informação diariamente e, se por um lado querem tudo ‘para ontem’, por outro podem perder rapidamente a motivação para os estudos e o trabalho se a gestão for truculenta ou a pressão grande demais. Os jovens na faixa dos 14 aos 29 anos, conhecidos como Geração Z, dão um nó na cabeça de educadores e gestores de recursos humanos e se configuram em um desafio de adaptação dos antigos modelos de educação e trabalho conhecidos até então.
No final de maio, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revisou os dados sobre o contingente de jovens brasileiros conhecidos como ‘Nem Nem’, ou seja, que nem trabalham ou estudam. Segundo a pasta, houve um recuo de 0,95% no número de pessoas de 14 a 24 anos nessa condição no primeiro trimestre de 2024 em relação ao mesmo período de 2023. Se no ano passado havia 4,8 milhões de jovens Nem Nem no Brasil, este ano eles somam 4,6 milhões.
Na Bahia, segundo a PNAD Contínua de 2023, os Nem Nem somam 822 mil pessoas. Para incentivar uma maior adesão ao aumento de escolaridade entre os baianos, o governo estadual e a prefeitura de Salvador lançam mão de políticas de incentivo que vão da oferta de cursos à adoção de políticas federais de estímulo à permanência na escola, como o Pé de Meia e o recém-lançado Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da Educação de Jovens e Adultos (veja quadro ao lado).
A frieza dos números não dá conta da diversidade desse público, mas há setores da sociedade empenhados em entender o que é que a juventude brasileira quer em termos de estudos e carreira. Afinal, eles correspondem a quase 17% da população brasileira, ou seja, são 34 milhões de pessoas de 14 a 24 anos, das quais 14 milhões tinham uma ocupação no primeiro trimestre do ano.
O presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos – Seção Bahia (ABRH-BA), Vitor Igdal, acredita que a teoria da motivação explica o comportamento dos Gen-Z. “Na era da motivação 1.0, as pessoas buscavam a realização de desejos; na 2.0, da era industrial, buscavam um trabalho para suprir necessidades, ter segurança e só depois vinha o desejo pessoal. Já a motivação 3.0, da era pós-digital, desenvolvida por Daniel Pink [autor de obras sobre ciência comportamental], mostra que os fatores mais buscados são autonomia, excelência, com desenvolvimento rápido, e vitórias rápidas e constantes. E um propósito, o jovem quer entender qual o sentido do trabalho que ele faz e que aquele trabalho vai gerar algo bom”.
Essa lógica também se aplica aos estudos. A geração Z quer, cada vez mais, aprender coisas que façam sentido no mundo pós-digital onde vivem. Por conta disso, muitos que têm contextos sociais que permitem a escolha, protelam a entrada no mercado de trabalho para estudar por mais tempo.
“Um dos maiores desafios atualmente é um desequilíbrio geracional, principalmente entre lideranças e liderados. Pouco se escuta dos jovens e esse desequilíbrio entre as gerações têm relação com uma total diferença de visão de mundo, valores e objetivos”, acrescenta Vitor Igdal. Esse desequilíbrio, por sua vez, afetaria a motivação dos mais novos para seguir na escola ou manter um trabalho.
Seja na empresa ou na escola, os Gen-Z brasileiros andam sentindo falta de flexibilidade. Ao menos é o que aponta a pesquisa Juventude Fora da Escola, realizada pela Fundação Roberto Marinho e o Itaú Educação e Trabalho, em colaboração com o Instituto Datafolha, e divulgada no primeiro trimestre deste ano.
Segundo o estudo, dos aproximadamente 9 milhões de jovens que abandonaram o ensino básico no Brasil, conforme a última PNAD Educação, de 2023, 73% têm intenção de voltar para a sala de aula, mas há condições para isso, como horários melhores que possibilitem conciliar estudo e trabalho, por exemplo.
Ambição silenciosa
O presidente da ABRH-BA cita uma discussão recente de um fenômeno ainda em estudo, o Quiet Ambition (Ambição silenciosa, em tradução livre). “Nesse fenômeno, os jovens acabam desistindo de estudar e de seguir no progresso acadêmico ou dentro da empresa e se acomodam a fazer o seu trabalho por 5, 10 anos sem alterações na rotina. Muitos não manifestam a vontade de liderar e preferem ser liderados”, acrescenta Vitor Igdal.
Uma possibilidade é que o movimento quiet ambition seja a resposta dos mais jovens aos ambientes acadêmicos ou corporativos de grande pressão. “Uma forma de reação aos exemplos de liderança negativa da geração anterior, que só reclama e ressalta os aspectos negativos das responsabilidades, sem contrabalançar com o lado positivo”.
Realidades distintas
Os dados da PNAD Contínua de 2023 mostram que a Bahia tem 4,138 milhões de estudantes, sendo que 456 mil estão na faixa dos 18 aos 24 anos e 443 mil têm de 25 anos para cima. Ao todo, 465 mil jovens cursam graduação no estado, enquanto outros 822 mil, de 15 a 29 anos, não estão ocupados, nem frequentam a escola, cursos pré-vestibulares ou técnicos de ensino médio, normal ou de qualificação profissional.
Dos 822 mil jovens Nem Nem da Bahia em 2023, 139 mil são brancos e 675 mil pretos e pardos. No recorte por gênero, são 280 homens e 543 mil mulheres.
Mariana Viveiros, coordenadora de Disseminação de Informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão responsável pela PNAD, analisa que o fenômeno Nem Nem é mais frequente entre as mulheres, porque elas ainda têm a carga maior dos cuidados domésticos na família.
“Por conta disso, elas não continuam os estudos. A partir dos 18 anos, muitos jovens não seguem mais estudando, o abandono da escola é mais frequente entre os homens. No caso deles, abandonam para procurar trabalho. Não estão no mercado, mas estão em busca de emprego. No caso delas, ocupadas com a família e os filhos, os cuidados da casa ou familiares idosos, nem vão procurar trabalho”, explica.
O maior problema, acrescenta Viveiros, é a falta de escolaridade mínima. O jovem larga a escola para procurar trabalho e não acha trabalho porque não concluiu o ciclo básico da educação. Por conta desse ciclo vicioso, a maior taxa de desemprego no Brasil está entre o público de 18 a 24 anos.
“A queda no número de jovens que nem trabalham e nem estudam pode ter relação com uma melhora no mercado de trabalho em geral. Em épocas de crise aumenta o número de pessoas desempregadas e que não buscam trabalho porque não conseguem encontrar, em todas as faixas etárias. Quando existe melhora nos indicadores do mercado em geral, reduz o número de desalentados, que é quando a pessoa não tem trabalho e para de procurar porque não encontra”, diz a analista.
Estudantes preferem diversidade no ensino e regras menos rígidas
O principal motivador para a geração Z voltar à escola é a possibilidade de conseguir melhores empregos. Permanecer estudando, no entanto, depende de maior flexibilidade nos horários das aulas e do trabalho, da oferta de vagas em creches para aqueles que já têm filhos; além de bolsas e benefícios que complementam a renda.
Outros fatores de atração são a possibilidade de ter acompanhamento pedagógico para compensar defasagens anteriores no ensino e cursos técnicos ou superiores que apresentem currículos mais de acordo com a realidade prática do mercado.
A lista de condições dos jovens de 15 a 29 anos para permanecer estudando ou motivar-se a buscar uma colocação consta na pesquisa Juventudes fora da escola. O estudo ouviu mais de 1600 jovens em todo o país e 34% deles afirmaram não conseguir encontrar empregos em horários contrários ao da escola ou faculdade.
Afirmaram ainda que instituições de ensino perto de casa ou dos locais de trabalho facilitariam os deslocamentos entre as atividades e a permanência tanto na escola quanto no emprego. As dificuldades em conciliar trabalho e curso, por sua vez, levariam pelo menos 68% dos jovens ocupados no país para as atividades informais.
Pacto nacional
Na quinta-feira, 6, o Ministério da Educação (MEC) lançou o Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A meta é superar o analfabetismo e elevar a escolaridade da população a partir de 15 anos que não tenha acessado ou concluído o ensino fundamental e médio.
A medida prevê a colaboração entre União, estados e municípios para oferecer ensino de qualidade, com múltiplas metodologias e recursos didáticos para o público do EJA. Além de ampliar as matrículas para adultos e jovens, as diretrizes do pacto trazem orientações para superar as desigualdades na educação pública. Outra meta é a integração com a educação profissional e tecnológica para promover qualificação para o trabalho.
Os estados e municípios que aderirem ao pacto terão acesso a repasses dos programas de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos, Dinheiro Direto na Escola e Brasil Alfabetizado. Estão previstas ainda a oferta de bolsas para alfabetizadores e de formação de professores.
Programas em Salvador e no Estado de incentivo aos estudos
EJA – O programa Educação de Jovens e Adultos ofereceu 141.028 vagas na Bahia este ano, afirma a Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC). No ano passado foram 110.988. O número de escolas que oferecem o EJA também foi ampliado de 677 para 773 unidades da rede estadual de ensino.
Tô Com Você no Enem – O plano de ação da SEC visa aumentar a adesão ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), porta de entrada ao ensino superior, e contempla desde o incentivo à inscrição no Exame, que para a edição de 2024 foi encerrada na sexta-feira (07), até a ida para a prova, inclusive com a oferta de transporte.
Universidade Para Todos (UPT) – O pré-vestibular Universidade Para Todos iniciou as aulas da edição de 2024 em 6 de maio, com a distribuição das apostilas para os participantes, aplicação de simulados, oferta de material didático e equipamentos como tablets com plataforma pedagógica, além de conteúdos no canal do youtube da SEC e na Plataforma do Instituto Anísio Teixeira. Em 2024, 19.426 candidatos estão participando do programa.
Pé de Meia – O programa federal de poupança para estudantes do Ensino Médio atende 283 mil estudantes baianos. O investimento é de R$820 milhões e o Estado formalizou a adesão em março deste ano. A prefeitura de Salvador também aderiu. Pela iniciativa, estudantes de 14 a 24 anos integrantes de famílias beneficiárias do Bolsa Família recebem um incentivo mensal de R$200 em uma conta poupança. Os valores recebidos por cada aluno podem chegar a R$9,2 mil por ano. Além dos R$ 200 disponíveis a partir da matrícula na rede pública, são 10 parcelas mensais, um adicional de R$200 pela inscrição no Enem e outros R$1 mil ao final de cada ano letivo concluído, com o saque desse valor condicionado à conclusão do Ensino Médio.
CPA – A SEC facilita o acesso à prova de certificação aplicada pela Comissão Permanente de Avaliação. Em 2024, 22.133 pessoas na Bahia efetuaram cadastro para solicitar as certificações de conclusão dos ciclos básicos da educação, através da prova CPA, ENCCEJA, ENEM ou histórico parcial do Ensino Médio.
Geração SSA – O programa é uma parceria da Prefeitura de Salvador, através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Emprego e Renda (Semdec), com a Escola do Caos, entidade paulista que é referência no Brasil na formação de jovens para grandes empresas. O programa oferece 6 mil vagas para o público entre 16 e 25 anos e possibilita o desenvolvimento de competências técnicas e comportamentais, ajudando os jovens a desenvolverem resiliência, compromisso, agilidade de pensamento e flexibilidade para atender às necessidades do mercado de Salvador. A ABRH-BA é uma parceira e segundo o presidente da entidade, Vitor Igdal, mil estudantes já passaram pelo programa e desses, 100 já estão empregados.