Salvador pode sofrer com chuvas como no RS? Especialistas explicam
Publicado em 14 de maio de 2024 às 09:37
A forte chuva que atinge o Rio Grande do Sul desde o dia 29 de abril já provocou a morte de 147 pessoas, segundo o balanço divulgado pela Defesa Civil. Diante da tragédia que está mobilizando o Brasil, muitas pessoas em Salvador levantaram questionamentos sobre a possibilidade de fenômenos parecidos ocorrerem na capital baiana.
Com o objetivo de informar a população sobre mudanças climáticas e os riscos de Salvador em decorrência das fortes chuvas, o Portal A TARDE conversou com especialistas, que confirmaram a possibilidade da capital baiana sofrer com problemas semelhantes no futuro. Eles explicaram como aconteceram as inundações no Rio Grande do Sul e levantaram questionamentos sobre condições estruturais de Salvador que podem contribuir para novas inundações e deslizamentos.
Professor da UFBA e Mestre em Geografia, Paulo Cesar Zangalli Junior citou as diversidades climáticas da Bahia e chamou atenção para registros que já ocorreram no estado, que precisou lidar com acumulados de chuva que causaram consequências relevantes para a população de diferentes cidades.
“Não só podemos experienciar esses acumulados de precipitação, como nós já experienciamos esses acumulados. Eu cito o exemplo do sul da Bahia e do sudeste da Bahia, Itabuna, Ilhéus, em 2021, com 15 dias de antecedência, Inmet já indicava possibilidades de chuva de 250 milímetros acumulados, pelo menos em cinco dias, e a gente teve precipitações em 24 horas bastante significativas, que causou impactos muito significativos ali para toda a região sul da Bahia”, explica.
O professor lembrou dos acumulados entre os meses abril e maio de 2015 e destacou a forma histórica da cidade como uma das raízes do problema.
“Em Salvador, por exemplo, em abril de 2015, em maio de 2015, nós tivemos acumulados mensais que superaram muito além do que era a climatologia para o mês, acumulados, por exemplo, para abril de 2015 de 600 milímetros, sendo 300 deles pelo menos precipitando em menos de 10 dias, com chuvas em 24 horas acima de 100 milímetros. Esses números já são suficientes para causar muitos danos, porque associado à forma histórica como Salvador foi produzida, já é suficiente para a gente sentir os impactos”, aponta.
Para o professor de geologia da UFBA e mestre em Geociências, Rodrigo Winck Lopes, o Rio Grande do Sul vive uma questão muito específica, já que várias cidades atingidas ficam em regiões denominadas como planícies de inundação.
“A situação do Rio Grande do Sul foi potencializada pelo aumento dos rios devido à geologia muito específica e também pelas cidades afetadas estarem numa planície de inundação e também à margem de encostas. Em Salvador seria um pouco diferente, porque a geologia, o ambiente geológico, geomorfológico, eles não são idênticos, mas vão acontecer fenômenos pouco diferentes, porém também pode ser de grande magnitude. E é difícil prever exatamente o local e quando”, explica.
Rodrigo Winck explica que o maior problema de Salvador em caso de grandes quantidades de chuva é o risco de deslizamento. Ele cita que a cidade conta com várias áreas que podem propiciar acidentes, causando grande impacto, principalmente para pessoas pobres, que vivem em regiões desfavorecidas.
“No meu ponto de vista, se a gente comparar o desastre em Salvador no Rio Grande do Sul, Salvador seria mais a parte inicial do desastre no Rio Grande do Sul, esse seria o maior impacto, que é o deslizamento em áreas de risco, onde a capa de solo é muito pequena, onde já foi tirada a vegetação, existe um ângulo de inclinação muito alto e o Salvador tem muitas regiões assim, com essa característica, e que estão ocupadas hoje por bairros inteiros, então são todas zonas de risco”, destaca.
Chuva acima do esperado em Salvador?
O meteorologista da Defesa Civil de Salvador (Codesal), Giuliano Carlos, afirmou em entrevista ao Portal A TARDE que a cidade pode sofrer com temporais. Ele destacou que 2024 está sendo um ano atípico, com muitos episódios de chuva acima do esperado pelo histórico da capital baiana.
“A cada ano estamos sujeitos a mais eventos meteorológicos que podem resultar em chuvas intensas, uma vez que esse ano já está sendo atípico com muitas chuvas acima do esperado”, pontua.
O professor Paulo Cesar Zangalli Junior chama atenção para a compreensão do que é esperado em termos de chuvas mensais. Para ele, o cálculo baseado em um número médio não representa a realidade, já que a média é construída analisando períodos iguais com diferentes quantidades de chuva.
“Eu citei, por exemplo, o mês de abril de 2015 como um mês bastante intenso, bastante marcante para a nossa realidade aqui em Salvador. E não foi à toa. Se eu considerar a média do mês de abril, eu preciso esperar algo em torno de 300 milímetros. Se chove mais que 300 milímetros em 10, 15 dias, vem sempre a compreensão de que choveu mais do que o esperado e por isso é que a gente tem acumulados. Mas veja, eu tenho anos em que o mês de abril ou o mês de maio vai superar 600 milímetros de precipitação. E tenho anos em que o mês de abril e maio vai apresentar 100, 200 milímetros de precipitação”, destaca.
Paulo Cesar Zangalli Junior aponta ainda que é necessário analisar a variabilidade para fazer a gestão dos fenômenos. Ainda de acordo com o professor, a diversidade climática do Brasil deve ser levada em consideração para basear os estudos.
“A gente precisa, portanto, criar um sistema de alerta e alarme que considere essa diversidade climática, e considere o histórico de impactos de precipitação ou de ondas de calor no seu sistema de prevenção e alerta”, completa.
Diante das fortes chuvas, Salvador registra problemas diferentes a depender do local. O meteorologista Giuliano Carlos explica que a cidade conta com bairros que se comportam de formas específicas, gerando cenários distintos, com regiões em que a topografia intensifica a possibilidade de alagamentos e inundações.
“A Codesal atua na prevenção, orientando as pessoas o que fazer em cenários de desastres para que saiam da situação de risco. Esses treinamentos são realizados através de ações comunitárias como NUPDECS, simulados de evacuação, MOBILIZA, dentre outros”, explicou o agente da Defesa Civil.
Doutora em Geografia e professora da UFBA, Grace Bungenstab Alves, entende que é necessário combater a desigualdade para reduzir a vulnerabilidade da população. Ela destaca a necessidade de políticas públicas com o objetivo de resolver o problema.
“O que percebemos é um movimento direcionado para como agir frente ao desastre do que propriamente resolver os problemas e evitar os desastres”, alerta a pesquisadora.
Aumento dos fenômenos climáticos: o que fazer?
O mestre em Geociências Rodrigo Winck Lopes chama atenção para o crescimento dos fenômenos climáticos extremos. Para ele, a situação está diretamente relacionada com atitudes como desmatamento, monocultura e utilização inadequada dos recursos da Terra, além do negacionismo diante da emergência climática.
“Sim, existe uma relação, está tudo interligado, tudo conectado, é um sistema Terra, então a causa é exatamente o desmatamento, a monocultura, o uso inadequado dos recursos naturais, o negacionismo, isso é tudo efeito das mudanças climáticas, então essa é diretamente relacionada com tanto geologia local, com essas modificações climáticas e principalmente com esses problemas que é o alagamento, deslizamento de encostas, o aumento do nível do mar, queda de árvores, as ondas de calor e as chuvas intensas”, explica.
O meteorologista Giuliano Carlos lembrou da atuação do fenômeno El Niño e o que ele pode causar aliado a outros fatores climáticos.
“O aumento dos fenômenos meteorológicos é resultado da combinação de vários fatores climáticos, como a atuação do El Niño (aquecimento da temperatura do oceano Pacífico) e o aquecimento do Oceano Atlântico com temperaturas acima do normal. A intensificação desses fatores contribui para cenários mais severos de chuvas e de seca”, pontua.
A visão é compartilhada pela meteorologista do Instituto Do Meio Ambiente E Recursos Hídricos (Inema), Maryfrance Diniz.
“Qualquer região do país e do mundo está cada vez mais suscetível a catástrofes climáticas, resultantes de uma combinação de fenômenos meteorológicos que ocorrem de forma intensa e persistente em determinadas localidades”, destaca.
Rodrigo Winck Lopes alerta que para desacelerar os efeitos dos fenômenos extremos é necessário tratar do assunto de forma séria, levando em consideração a Defesa Civil e dados do Serviço Geológico Brasileiro.
“Primeiro é evitar o negacionismo, aceitar aquilo que a Defesa Civil, o Serviço Geológico Brasileiro comunica. Essa é a primeira ideia, evitar o negacionismo. Essas chuvas no Rio Grande do Sul e também essas ondas de calor que acontecem no Brasil, isso é consequência direta das mudanças climáticas, ou seja, Salvador e o Brasil inteiro, a gente pode dizer que vai sofrer alagamentos, deslizamento de massa, aumento do nível do mar, queda de árvores, ondas de calor e chuvas intensas. Isso é previsto no nosso futuro mundial, isso está acontecendo no mundo inteiro. No Rio Grande do Sul aconteceu enchentes, alagamentos. Qualquer um desses fenômenos pode acontecer também na Bahia”, finaliza o professor.