Segurados da Amil insatisfeitos com cancelamento unilateral de contrato podem acionar a Justiça, apontam especialistas
Publicado em 23 de maio de 2024 às 16:04
Uma controversa decisão da operadora de planos de saúde Amil de cancelar milhares de contratos coletivos por adesão, de forma unilateral, vem causando uma enxurrada de ações judiciais e caiu como uma bomba nas famílias mais carentes cujos membros dependem da empresa.
Milhares de contratos entre a Amil e os pacientes, com ou sem deficiência, serão cancelados até o dia 31 de maio.
A Amil justifica que o cancelamento se deve ao desequilíbrio econômico e financeiro dos conjuntos de contratos. A empresa, porém, não entra no mérito da legalidade dos cancelamentos.
O que diz a lei?
A lei dos planos de saúde permite que ocorra a suspensão do contrato de saúde, mas as empresas precisam notificar os consumidores com 60 dias de antecedência, ou conforme a exigência de notificação prévio ao contratante. Porém, conforme o Supremo Tribunal De Justiça (STJ), os planos de saúde coletivos não podem ser cancelados, de forma unilateral, enquanto o paciente estiver em tratamento de doença grave, o que não tem sido levado em consideração de acordo com especialistas.
Autistas
As pessoas autistas que precisam de tratamentos contínuo pelos convênios fazem parte de um dos grupos mais afetados em decorrência do cancelamento de contratos com associações são as. Além disso do cancelamento já ser um enorme transtorno por si só, essas pessoas encontram extrema dificuldade para fazer a portabilidade para outras operadoras.
Leonardo Martinez, advogado especialista em demandas de saúde, falou ao Liga da Notícia sobre a situação: “É lamentável essa posição do plano de saúde de resolver manter o cancelamento dessas apólices. De fato constam nos contratos cláusula que permite o cancelamento unilateral com o aviso prévio de 60 dias, ocorre que nós advogados entendemos que essa é uma cláusula manifestamente abusiva e que gera extrema desvantagem para o consumidor. Inclusive não foi uma cláusula amplamente discutida, é o que nós temos observado, não foi uma cláusula amplamente discutida com os consumidores no ato da contratação”.
Martinez explicou que o consumidor lesado pode acionar a Justiça: “Então eu recomendo que os consumidores busquem o Poder Judiciário através de advogados. Quem não puder pagar um advogado da Defensoria Pública para evitar o perecimento de direitos. Para além disso, existe já entendimento pacificado nas cortes superiores que não é possível o cancelamento unilateral de planos de saúde cujo consumidor, cujo segurado, esteja em tratamento médico. Então, além da nossa visão de ser desaconselhável, além da nossa visão ser incorreta a aplicação de cláusula contratual que cancela unilateralmente planos de saúde, existe um outro viés que impossibilita o cancelamento de planos de saúde, que são planos de saúde cujo consumidor ou o segurado esteja em tratamento médico continuado. Então, a recomendação final é que os consumidores procurem o Poder Judiciário e os órgãos de proteção ao consumidor, PROCON, CODECON, a própria ANS para tentar fazer valer aí o seu o seu direito”.
A advogada Caroline Alcântara, que atua em Direito Médico e da Saúde, explicou ao Liga da Notícia o seguinte: “A decisão da operadora de Saúde Amil de cancelar milhares de contratos coletivos por adesão, de forma unilateral, vem causando grande mobilização social e ações judiciais. Inúmeras famílias foram surpreendidas, recentemente, com comunicados de cancelamento unilateral dos seus contratos de plano de saúde. Vale pontuar que a surpresa foi maior em razão de um detalhe muito sério, o fato de que a maioria dos beneficiários tem tratamentos de saúde em curso. Tal fato, por si só, contraria condição apontada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ para o não cancelamento do contrato, de forma unilateral, pela operadora de plano de saúde”.
A advogada alertou que beneficiários que estão tratando doenças graves como, por exemplo, câncer (quimioterapia e radioterapia) e obesidade, doença crônica em que as comorbidades somadas acarretam considerável risco de morte, “veem com grande aflição a possibilidade de terem seus tratamentos descontinuados. De igual modo a abusividade praticada pelas operadoras está afetando os beneficiários que têm diagnóstico de Transtorno do espectro Autista – TEA e que necessitam de tratamento contínuo”.
Caroline também salientou que “os atos de ilegalidade praticados pelas empresas contratadas, evidenciados a partir das notificações de desligamento, sem qualquer comprovação de fraude ou ausência de pagamento das mensalidade, vêm sendo objeto de ações judiciais nas quais os beneficiários tem conquistado a manutenção do contrato firmado e, como consequência, o prosseguimento dos tratamentos em curso, através de decisões favoráveis e baseadas no entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça”.
O diretor do Procon Bahia, Tiago Venâncio, também condenou os cancelamentos unilaterais por parte das empresas: “Os cancelamentos unilaterais dos contratos, por parte do fornecedor, sem uma motivação aceitável, poderão ser considerados abusivos. Os contratos de seguros são considerados de risco, não podendo o fornecedor simplesmente escolher permanecer com os consumidores que não utilizam o plano. É preciso analisar detalhadamente a motivação dos cancelamentos para validar ou punir a conduta do fornecedor”. Tiago orientou que quem se sentir prejudicado pode procurar o Procon: “As reclamações destes serviços podem ser apresentadas nos postos de atendimento do PROCON e nos órgãos do Poder Judiciário, neste caso, quando tratar-se de uma medida emergencial”.
A Diretoria de Ações de Proteção e Defesa do Consumidor (CODECON), vinculada à Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEMOP), ressalta que a suspensão dos planos de saúde sem aviso prévio é inadequada, sendo considerada uma prática abusiva de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Conforme a legislação brasileira, os planos de saúde coletivos por adesão só podem ser rescindidos unilateralmente, mediante aviso prévio, em casos de fraude, término do vínculo do beneficiário com a entidade representativa ou inadimplência, com exceção dos pacientes em tratamento.
A diretora-geral da CODECON, Talita Vilarinho, esclareceu que pacientes em tratamento médico, incluindo pessoas internadas ou que necessitam de tratamento contínuo, não podem ter seus planos de saúde suspensos de forma repentina: “A operadora do plano de saúde deve assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a um usuário internado ou em tratamento médico essencial para sua sobrevivência ou integridade física, até a alta definitiva, desde que o titular pague integralmente o valor devido em casos de inadimplência. Além disso, é obrigação da operadora, nesses casos, garantir a portabilidade de carências para usuários portadores de necessidades especiais, permitindo que eles migrem para outros planos de saúde sem a necessidade de cumprir novos períodos de carência”.
Procurada, a Amil emitiu a seguinte nota de posicionamento:
“Em nome de seu compromisso com a transparência e com o diálogo, a Amil vem a público esclarecer os motivos que, dentro da mais absoluta legalidade, a levaram a cancelar alguns contratos de planos coletivos por adesão. Apesar de corresponderem a apenas cerca de 1% dos beneficiários cobertos, a empresa lamenta os transtornos causados, uma vez que cada pessoa envolvida merece a devida consideração.
Entretanto, a decisão se deve ao fato de que tais contratos, negociados por administradoras de benefícios diretamente com entidades de classe, com intermediação de corretoras, apresentam há vários anos situação de desequilíbrio extremo entre receita e despesa, a ponto de não vermos a possibilidade de reajuste exequível para corrigir esse grave problema.
Diante desse quadro, as pessoas envolvidas têm direito legal à portabilidade para manter suas coberturas, sem a obrigatoriedade de cumprir novamente prazos de carência, com suporte de suas respectivas entidades de classe, administradoras de benefícios e corretoras, conforme a regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Enfatizamos que a medida não tem nenhuma relação com demandas médicas ou quaisquer tratamentos específicos, uma vez que mais de 98% das pessoas envolvidas não estão internadas ou submetidas a tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física.
Beneficiários em tais condições continuarão recebendo cobertura da Amil para os cuidados assistenciais prescritos até a efetiva alta, conforme os critérios e normativas estabelecidos.
Embora difícil, a medida legal adotada se impôs para alcançar a sustentabilidade em todas as modalidades de contratação de planos de saúde, uma vez que a saúde suplementar se baseia no mutualismo.
A Amil tem 46 anos de história, 35 mil colaboradores, 81 clínicas e 31 hospitais próprios em sua rede médica assistencial, além de 20 mil serviços de saúde credenciados. Realiza 80 milhões de procedimentos assistenciais todos os anos e atende a mais de 3 milhões de beneficiários, incluindo mais de 10 mil pessoas do espectro autista. Ao todo, em 2023, a empresa arcou com aproximados R$ 20 bilhões de contas médicas pagas na prestação de serviços assistenciais a seus clientes.
A Amil está aberta ao diálogo com a ANS e com todos os envolvidos, para que, dentro de um ambiente de respeito à segurança jurídica, seja possível alcançar as melhores soluções para o prosseguimento de seu trabalho assistencial hoje e no futuro”.